A minha freguesia é melhor que a tua, 18 de Março de 2013.


A poucos meses da entrada em vigor, a reorganização administrativa da cidade de Lisboa mantém-se como um assunto confuso para a maioria dos munícipes e para alguns autarcas. Seja entre quem apoia a reforma, seja entre quem a contesta, subsiste a sensação de que há pouca informação.

Texto: Rafael Vieira   Fotografia: Luísa Ferreira

As freguesias de Lisboa vão mudar, mas as dúvidas entre os seus munícipes e alguns autarcas parecem ser ainda em número bem superior ao futuro total de circunscrições administrativas. As actuais 53 freguesias da capital serão substituídas por 24 novas entidades. Um total saído da soma de três parcelas: a manutenção de uma dezena das actuais freguesias; a criação de outras 13, como resultado da fusão de 43 e ainda o nascimento da freguesia do Parque das Nações, destacada de Santa Maria dos Olivais e incluindo território pertencente ao concelho de Loures – o que implica uma mexida nas fronteiras e na área total do município de Lisboa. Umas breves perguntas a alguns residentes, sobre a reorganização administrativa de Lisboa, permitem perceber que é bastante diverso o grau de conhecimento sobre a reforma. E que subsistem muitos receios e dúvidas. Mas também há gente confiante nos prometidos benefícios resultantes da mudança, vista como uma inevitabilidade.

É o caso de Maria Fonseca, arquitecta paisagista e residente da Ajuda, que concorda com a reorganização. “Parece-me correcta, pela redução de custos e da possível corrupção, mas não concordo com a ‘lavagem cerebral’ ou as ‘historinhas’ que contam à população, para que elas se indignem”, afirma. A munícipe diz que “o mais importante é informar correctamente a população”, lamentando que “não se explique mais”. Cláudio Braga, jornalista residente em São Cristovão e São Lourenço, também apoia a medida: “É daquelas coisas que fazem sentido, porque é um exagero, tal como estão”. Mas não deixa de notar que, “por outro lado, em certos lugares, perdem-se serviços que a população obtinha”. Um receio idêntico ao manifestado por Daniela Catulo, promotora cultural residente nos Anjos. “Acho que há demasiadas freguesias. Não sei como vão ficar organizadas, mas, se for para simplificar, concordo; desde que não cortem serviços necessários”, salienta. Já Francisco Saraiva, taxista residente no Castelo, receia a perda das identidades de cada freguesia, que se perderão com a mudança.

Com a lei que estabelece a reforma já aprovada, foram eleitos os representantes às comissões instaladoras das novas freguesias a 19 de Fevereiro, comissões que funcionarão seis meses antes das Eleições Autárquicas, a decorrer no início do Outono. Para trás, ficou a fase de discussão em torno da lei que dita a reforma administrativa do território nacional. Processo que polarizou, durante meses, a opinião pública e viu vários debates serem promovidos em colectividades e em juntas de freguesia. E gerou movimentos de cidadãos, como o “Freguesia Perto de Nós”. Apesar disso, há quem entre os autarcas afirme que a informação não chegou convenientemente aos cidadãos. Vítor Manuel Alves Agostinho (PCP), presidente da Junta de Freguesia de São Vicente de Fora, que será agregada à da Graça e a Santa Engrácia, diz: “Fala-se que houve documentos nas ruas, que houve discussão e informação, mas vamos ter imensas pessoas a não saber em quem votar”. No seu entender, a reforma tem objectivos diferentes do declarados oficialmente. “Há uma questão política, não de eficácia”, assegura.

Já Maria Elisa Madureira (PS), presidente da Junta de Freguesia de Penha de França, à qual será agregada a de São João, tem opinião oposta. Ela sublinha que “as juntas de freguesia, as assembleias de freguesia, a Assembleia Municipal de Lisboa (AML) e a população foram ouvidos, ao longo deste processo, que decorreu num clima de forte participação e diálogo”. Uma visão não totalmente coincidente com a do seu congénere e colega de partido José Manuel Rosa do Egipto, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria dos Olivais – a maior em área e em população de Lisboa e da qual sairá a mais substancial parcela de território na origem da nova freguesia de Parque das Nações (chamada também de Oriente, durante o processo de consulta). Rosa do Egipto acha que “houve participação da população na altura da discussão pública, mas não muita”. E sublinha: “A unidade técnica que fez o estudo não tinha um autarca, faltaram a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP)”.

Existiu, no entanto, um inquérito aos presidentes das juntas de freguesia, realizado no âmbito do estudo encomendado pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) ao Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (ISEG/UTL) e ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS), sob o título “Qualidade de vida e governança na cidade de Lisboa”. Nesse estudo, é referido o aumento de competências dado às juntas de freguesia como parte integrante do processo. Para atingir tal objectivo, foram introduzidas significativas alterações no quadro legal. No artigo 9º da lei que define a reforma em curso, lê-se, por isso, que “a freguesia criada por agregação […] integra o património, os recursos humanos, os direitos e as obrigações das freguesias agregadas”. O reforço das competências das freguesias passa por diversos áreas, como a gestão e manutenção do espaço público, a gestão de equipamentos, a intervenção comunitária e a política de habitação, num conjunto que suplanta as duas dezenas.

Para Maria Elisa Madureira, que apoia a reforma, esta “irá permitir às juntas de freguesia ter mais competências e meios para dar respostas mais céleres e eficazes nas mais diversas áreas da sua gestão”. Rosa do Egipto concorda. “As competências, actualmente, são diminutas, vivem à base de protocolos entre juntas e município. Haverá agora maiores recursos e maiores competências”, diz. Já Vítor Manuel Alves Agostinho sustenta que a mesma “não compensa”. “Não vão haver novas competências”, assegura, apontando como exemplos práticos para o ilustrar o “Motocão” ou os licenciamentos de obras. “A lei já permitia entendimentos. Se queremos fazer uma gestão de transportes, por exemplo, ela já permitia associações de freguesias para tratar de determinados assuntos. A câmara descentraliza competências, mas continua a ser necessário ir ao departamento tratar de licenças de obras”, diz. O autarca pergunta, por isso, referindo-se à nova “super-freguesia” de Santa Maria Maior, que resultará da agregação de uma dúzia de freguesias do centro da cidade: “Como se conseguirá gerir uma freguesia que vai de Alfama ao Largo do Camões?”

Alves Agostinho sugere que, partindo do princípio de que era mesmo necessário este processo, se deveria ter dado atenção aos bairros históricos e à topografia da cidade: “Porque não uma freguesia de Alfama, uma do Bairro Alto, outra da Madragoa e por aí além?”, questiona. O que entronca noutro género de argumentos levantados, relacionados com o alegado afastamento em relação aos fregueses e também com a poupança. Vítor Manuel Alves Agostinho diz que “todas as freguesias têm de estar próximas da população”. Por isso, “o ideal seria terem cerca de cinco mil eleitores”. “Haverá afastamento. Se pensarmos que é necessário algum acerto, se calhar, as maiores freguesias podiam ser divididas. Não há freguesias pequenas, há freguesias com quatro mil eleitores”, afirma. E remata, quanto à questão da poupança: “Iremos ter presidentes de junta a tempo inteiro, políticos profissionais, com salários pagos a tempo inteiro. A poupança é uma falácia”, pois “as freguesias representam 0.1% do orçamento, não é o apagar do comando da televisão que o vai resolver”.

Maria Elisa Madureira, a edil da Penha de França, contrapõe: “Não julgo que esta reforma se traduza num afastamento em relação às populações. Antes pelo contrário. As novas competências atribuídas às freguesias, por exemplo, na área da higiene urbana, irão possibilitar, devido à relação de proximidade, um melhor serviço às pessoas”. Também José Manuel Rosa do Egipto considera que o afastamento dos munícipes é um “falso argumento”. Com algumas dúvidas ainda por apurar e com a reorganização já em processo acelerado, Rosa do Egipto resume: “Vamos ver as consequências”.