A poucos meses da entrada em vigor, a reorganização
administrativa da cidade de Lisboa mantém-se como um assunto confuso
para a maioria dos munícipes e para alguns autarcas. Seja entre quem
apoia a reforma, seja entre quem a contesta, subsiste a sensação de que
há pouca informação.
Texto: Rafael Vieira Fotografia: Luísa Ferreira
As freguesias de Lisboa vão mudar, mas as dúvidas entre os seus
munícipes e alguns autarcas parecem ser ainda em número bem superior ao
futuro total de circunscrições administrativas. As actuais 53 freguesias
da capital serão substituídas por 24 novas entidades. Um total saído da
soma de três parcelas: a manutenção de uma dezena das actuais
freguesias; a criação de outras 13, como resultado da fusão de 43 e
ainda o nascimento da freguesia do Parque das Nações, destacada de Santa
Maria dos Olivais e incluindo território pertencente ao concelho de
Loures – o que implica uma mexida nas fronteiras e na área total do
município de Lisboa. Umas breves perguntas a alguns residentes, sobre a
reorganização administrativa de Lisboa, permitem perceber que é bastante
diverso o grau de conhecimento sobre a reforma. E que subsistem muitos
receios e dúvidas. Mas também há gente confiante nos prometidos
benefícios resultantes da mudança, vista como uma inevitabilidade.
É o caso de Maria Fonseca, arquitecta paisagista e residente da
Ajuda, que concorda com a reorganização. “Parece-me correcta, pela
redução de custos e da possível corrupção, mas não concordo com a
‘lavagem cerebral’ ou as ‘historinhas’ que contam à população, para que
elas se indignem”, afirma. A munícipe diz que “o mais importante é
informar correctamente a população”, lamentando que “não se explique
mais”. Cláudio Braga, jornalista residente em São Cristovão e São
Lourenço, também apoia a medida: “É daquelas coisas que fazem sentido,
porque é um exagero, tal como estão”. Mas não deixa de notar que, “por
outro lado, em certos lugares, perdem-se serviços que a população
obtinha”. Um receio idêntico ao manifestado por Daniela Catulo,
promotora cultural residente nos Anjos. “Acho que há demasiadas
freguesias. Não sei como vão ficar organizadas, mas, se for para
simplificar, concordo; desde que não cortem serviços necessários”,
salienta. Já Francisco Saraiva, taxista residente no Castelo, receia a
perda das identidades de cada freguesia, que se perderão com a mudança.
Com a lei que estabelece a reforma já aprovada, foram eleitos os
representantes às comissões instaladoras das novas freguesias a 19 de
Fevereiro, comissões que funcionarão seis meses antes das Eleições
Autárquicas, a decorrer no início do Outono. Para trás, ficou a fase de
discussão em torno da lei que dita a reforma administrativa do
território nacional. Processo que polarizou, durante meses, a opinião
pública e viu vários debates serem promovidos em colectividades e em
juntas de freguesia. E gerou movimentos de cidadãos, como o “Freguesia
Perto de Nós”. Apesar disso, há quem entre os autarcas afirme que a
informação não chegou convenientemente aos cidadãos. Vítor Manuel Alves
Agostinho (PCP), presidente da Junta de Freguesia de São Vicente de
Fora, que será agregada à da Graça e a Santa Engrácia, diz: “Fala-se que
houve documentos nas ruas, que houve discussão e informação, mas vamos
ter imensas pessoas a não saber em quem votar”. No seu entender, a
reforma tem objectivos diferentes do declarados oficialmente. “Há uma
questão política, não de eficácia”, assegura.
Já Maria Elisa Madureira (PS), presidente da Junta de Freguesia de
Penha de França, à qual será agregada a de São João, tem opinião oposta.
Ela sublinha que “as juntas de freguesia, as assembleias de freguesia, a
Assembleia Municipal de Lisboa (AML) e a população foram ouvidos, ao
longo deste processo, que decorreu num clima de forte participação e
diálogo”. Uma visão não totalmente coincidente com a do seu congénere e
colega de partido José Manuel Rosa do Egipto, presidente da Junta de
Freguesia de Santa Maria dos Olivais – a maior em área e em população de
Lisboa e da qual sairá a mais substancial parcela de território na
origem da nova freguesia de Parque das Nações (chamada também de
Oriente, durante o processo de consulta). Rosa do Egipto acha que “houve
participação da população na altura da discussão pública, mas não
muita”. E sublinha: “A unidade técnica que fez o estudo não tinha um
autarca, faltaram a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) e a
Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP)”.
Existiu, no entanto, um inquérito aos presidentes das juntas de
freguesia, realizado no âmbito do estudo encomendado pela Câmara
Municipal de Lisboa (CML) ao Instituto Superior de Economia e Gestão da
Universidade Técnica de Lisboa (ISEG/UTL) e ao Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa (ICS), sob o título “Qualidade de vida
e governança na cidade de Lisboa”. Nesse estudo, é referido o aumento
de competências dado às juntas de freguesia como parte integrante do
processo. Para atingir tal objectivo, foram introduzidas significativas
alterações no quadro legal. No artigo 9º da lei que define a reforma em
curso, lê-se, por isso, que “a freguesia criada por agregação […]
integra o património, os recursos humanos, os direitos e as obrigações
das freguesias agregadas”. O reforço das competências das freguesias
passa por diversos áreas, como a gestão e manutenção do espaço público, a
gestão de equipamentos, a intervenção comunitária e a política de
habitação, num conjunto que suplanta as duas dezenas.
Para Maria Elisa Madureira, que apoia a reforma, esta “irá permitir
às juntas de freguesia ter mais competências e meios para dar respostas
mais céleres e eficazes nas mais diversas áreas da sua gestão”. Rosa do
Egipto concorda. “As competências, actualmente, são diminutas, vivem à
base de protocolos entre juntas e município. Haverá agora maiores
recursos e maiores competências”, diz. Já Vítor Manuel Alves Agostinho
sustenta que a mesma “não compensa”. “Não vão haver novas competências”,
assegura, apontando como exemplos práticos para o ilustrar o “Motocão”
ou os licenciamentos de obras. “A lei já permitia entendimentos. Se
queremos fazer uma gestão de transportes, por exemplo, ela já permitia
associações de freguesias para tratar de determinados assuntos. A câmara
descentraliza competências, mas continua a ser necessário ir ao
departamento tratar de licenças de obras”, diz. O autarca pergunta, por
isso, referindo-se à nova “super-freguesia” de Santa Maria Maior, que
resultará da agregação de uma dúzia de freguesias do centro da cidade:
“Como se conseguirá gerir uma freguesia que vai de Alfama ao Largo do
Camões?”
Alves Agostinho sugere que, partindo do princípio de que era mesmo
necessário este processo, se deveria ter dado atenção aos bairros
históricos e à topografia da cidade: “Porque não uma freguesia de
Alfama, uma do Bairro Alto, outra da Madragoa e por aí além?”,
questiona. O que entronca noutro género de argumentos levantados,
relacionados com o alegado afastamento em relação aos fregueses e também
com a poupança. Vítor Manuel Alves Agostinho diz que “todas as
freguesias têm de estar próximas da população”. Por isso, “o ideal seria
terem cerca de cinco mil eleitores”. “Haverá afastamento. Se pensarmos
que é necessário algum acerto, se calhar, as maiores freguesias podiam
ser divididas. Não há freguesias pequenas, há freguesias com quatro mil
eleitores”, afirma. E remata, quanto à questão da poupança: “Iremos ter
presidentes de junta a tempo inteiro, políticos profissionais, com
salários pagos a tempo inteiro. A poupança é uma falácia”, pois “as
freguesias representam 0.1% do orçamento, não é o apagar do comando da
televisão que o vai resolver”.
Maria Elisa Madureira, a edil da Penha de França, contrapõe: “Não
julgo que esta reforma se traduza num afastamento em relação às
populações. Antes pelo contrário. As novas competências atribuídas às
freguesias, por exemplo, na área da higiene urbana, irão possibilitar,
devido à relação de proximidade, um melhor serviço às pessoas”. Também
José Manuel Rosa do Egipto considera que o afastamento dos munícipes é
um “falso argumento”. Com algumas dúvidas ainda por apurar e com a
reorganização já em processo acelerado, Rosa do Egipto resume: “Vamos
ver as consequências”.