A contagem do tempo em Lisboa, revista Matriz


A CONTAGEM DO TEMPO EM LISBOA

De entre todos os objectos que pontilham a paisagem urbana (Townscape, CULLEN. 1961), os instrumentos de medição e contagem de tempo são os que nos são mais indiferentes, porque ignorados. Os relógios que encimam fachadas de edifícios públicos – notoriamente estações de caminho de ferro e torres sineiras dos templos mais marcantes – já há muito que perderam a sua função prática de reguladores de tempo pelos quais nos regemos, fundiram-se no aglomerado e servem agora apenas como mais um elemento de composição das fachadas que os contêm.

Algo tão simples como o contar e mostrar das horas com exactidão tornou-se efectivamente necessário com o advento da sociedade industrial – se antes a hora era local e variava de aglomerado para aglomerado (e.g. Bristol tinha menos 10 minutos do que Londres)1 seria com a generalização dos transportes mecânicos no séc.XIX que se tornou inequivocamente necessária uma normalização horária mais abrangente que apenas a nível local. A velocidade do desenvolvimento humano e os seus apetites comerciais a isso obrigaram (Dromology. VIRILIO 1977: estudo dos efeitos da aceleração da velocidade nas sociedades).Diversos mecanismos horários apareceram entretanto em Lisboa3: a iniciativas régias e privadas mecânicas sucederam-se outras bem curiosas: meridianas que com salvas de canhão anunciavam o meio-dia no Castelo de S. Jorge e depois na Escola Politécnica de 1853 a 1915; o Balão do Arsenal da Marinha que indicava as 13h. aos barcos estacionados no porto de 1858 a 1915 e o relógio de sol do Cais do Sodré até 1874, chamado de Meridiana dos Remolares (CASTILHO 1893).

Com vista a fornecer a hora normalizada, estabelecida no país após 1912 (e saída do Congresso de Washington de 1884, onde foram estabelecidos os fusos horários), foi criado o Relógio da Hora Legal (HL) no Cais do Sodré em 1914, o único marcador de tempo colectivo [exterior, em Portugal] com o estatuto de Hora Legal (ROSETA 2008). Outrora actualizado por corrente eléctrica directa com o Observatório Astronómico da Ajuda (OAL) era dali, que por meios telegráficos, era comunicada a HL ao resto do país.

Agora e após vicissitudes várias, volta a mostrar a HL em virtude de uma ligação via internet com o OAL, única entidade autorizada para tal.4 Importa descobrir este tesouro monumental, implantado na ainda centralidade do Cais do Sodré. A descobrir ao caminhar por Lisboa: relógio de sol do Hospital dos Capuchos de 1586; relógio de sol na fachada da Sé; relógio mecânico ao nº50 da Rua da Boavista, Conde Barão, de meados de 1840 e o relógio de sol dos Jardins de Belém, herança da Exposição do Mundo Português de 1940.

notas :

1. in Hour Power. Financial Times. Dezembro de 2009. p.9.
2. Ler entrevista a Paul Virilio. Flirt Webzine | http://www.flirt.net.novis.pt
3. Ver Observatório dos Relógios Históricos | http://observatoriorelogioshistoricos.blogspot.com
4. Para acertar o relógio à Hora Legal | http://www.oal.ul.pt/index.php?link=acerto

referências bibliográficas :

CASTILHO, Júlio de. A Ribeira de Lisboa : descripção histórica da margem do Tejo desde a Madre de Deus até Santos-o-Velho. Lisboa : Imp. Nacional. 1893.
COOKSON, Clive. Hour Power. Financial Times. 23 Dezembro 2009. p.9.
PAQUETE, Manuel. O relógio da hora legal: um património histórico. Boletim Informativo da Junta de Freguesia de São Paulo, uma autarquia ao serviço da população. n12. Novembro 2008. p.16.
VERCELES, Amancio. Velocidade e política de Paul Virílio. Em Debate, Revista digital do Lastro CFCH. n1. 1º semestre de 2006. Em: [http://www.lastro.ufsc.br/revista/edicoes/01/artigos/virilio.htm ]
VIRILIO, Paul. Speed and Politics. Los Angeles: Semiotext(e). 2007.

referências fotográficas :

Cais do Sodré, Posto do Relógio Padrão da Hora Legal. Foto Joshua Benoliel. 1914. in AFML.
Relógio de Sol na Sé de Lisboa. Autor desconhecido. 2008. in ORH

Rafael Vieira, Arqto [wateb.com]